Thursday, October 26, 2006

A Meia-Maratona de Nampula (Curta-metragem) - 12.10.2006

Um dos maiores e mais caricatos vícios dos países pobres é imitarem os países ricos. A enternecedora e ridícula mania das grandezas.

Em Moçambique, 12 de Outubro é o dia do professor. Num país em que tantos docentes são corruptos, coagem moral e sexualmente as alunas, nada mais adequado do que um dia para os louvar. Faço mal em tomar o todo pela parte, porquanto, como é evidante, também há professores justos, amigos dos alunos, que lutam por um moçambique instruído, contudo, mesmo assim, teria preferido o dia contra a promiscuidade no ensino.

Saímos cedo de casa e, antes de irmos para faculdade, parámos numa estação de serviço para abastecer. Ainda tomado por esse lento processo do despertar, aguardo ao volante pelo empregado da bomba. Contudo, em breve seria chamado à espertina máxima, para apreciar um dos momentos mais hilariantes da curta passagem por este peculiar lugar.

Numa das artérias principais da cidade, circula vagarosamente uma mota, ocupada por um airoso agente da polícia, impecavelmente fardado e impassivelmente concentrado no seu cimeiro dever. A sirene e a luz intermitente propalam a presença da autoridade, obrigando automóveis e transeuntes a afastarem-se, a pararem, sobretudo, a não incomodarem.

Penso «Deve vir aí o governador ou algum ministro». A mota abre este leito límpido e desértico porquanto, 50m. antes, dois corredores suados e dotados de uma acentuada escoliose, palmilham paulatinamente a cidade, realizando um percurso predefinido, participando numa prova de atletismo organizada para saudar o muito indispensável dia do professor.

Pensei «Aí estão os líderes da corrida». Passados 10 segundos, surgem mais dois intrépidos maratonistas derreados pelo cansaço, exaurindo, neste momento fundamental das suas carreiras, as suas valiosas reservas energéticas.

Pensei «Aí estão mais dois que se destacaram do grupo». Em África, a presciência do europeu é, muito frequentemente, um passo em falso. Com efeito, 50 m. atrás deste dois perseguidores, segue uma mota, ocupada por um prestimoso agente da polícia, solenemente fardado e imperturbavelmente concentrado no seu altaneiro dever. A sirene e a luz intermitente propalam a presença da autoridade, fazendo notar aos automóveis e transeuntes que a festa acabou, “Podem voltar a circular normalmente”.

Colocou-se a seguinte questão: há quatro tipos que pretendem correr na maratona do dia do professor. Vamos parar o trânsito de uma cidade inteira por causa deste evento e, além disso, vamos afectar à organização as únicas duas motas da polícia existentes nesta província? Vamos a isso.

Neste continente de extremos, é preciso joeirar muito para encontrar um grão de razoabilidade. E eu, já não tão recém-chegado, só peço aos meus quadros mentais que não se deturpem e me permitam continuar a gozar estes momentos.

6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Jonhy boy, brilhante!

Ansiosamente a espera dos proximos capitulos!

3:25 AM  
Anonymous Anonymous said...

Não páras de nos surpreender...
Só não percebo uma coisa... se era o dia do professor, porque é que não foste correr a dita maratona?! Sempre seriam 5 os concorrentes.. e, com a tua invejável forma física, até terias grandes hipóteses de ganhar o ouro!

André

11:28 AM  
Anonymous Anonymous said...

Estive aqui ler o diário do teu quotidiano e está espectacular. Só uma coisa, "discentes" sao os alunos e nao os profs!
grande abraço

Fred Pires

4:43 PM  
Anonymous Anonymous said...

ola joao

6:28 AM  
Anonymous Anonymous said...

Olá Joao está tudo bem contigo? então já estas preparado para receberes os carinhos dos paisinhos, beijinhos.

Remedios Pires

6:39 AM  
Anonymous Anonymous said...

Dr. Martins, daqui Russo

Tão fixes astuas estórias. Só tens esse amigo estrangeiro? Quem é esse tal de anonymous? Deve ser americano... Tou contigo!

4:12 PM  

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